Dom Antônio Zattera

por Wallney Joelmir Hammes

Dom Antônio Zattera, fundador da Universidade Católica de Pelotas, viveu 88 anos, deixando inscrito, na mente e no coração dos contemporâneos e dos pósteros, com o cinzel de um temperamento marcante, o dístico de seu brasão episcopal ‘Omnia possum in Eo qui me confortat’. Sim, ele tudo pôde, com fé inquebrantável e determinação férrea, no exercício do mais eficaz instrumento de evangelização – a educação.

Esse abençoado ministério já fora exercido desde muito cedo quando, em Bento Gonçalves, fundou o Ginásio Nossa Senhora Aparecida e a Escola Nossa Senhora Medianeira. Ele próprio, como pároco, dirigiu peças teatrais sobre temas educativos, entusiasmando de tal forma a juventude que mal se conseguia conter a multidão que afluía aos espetáculos. A catequese, a cultura, a arte, a educação do povo, a visita às famílias, a presença constante entre os jovens, tudo era importante para ele.

Era essa inquietude, traço peculiar de seu caráter, que o tornava admirado por seus colegas e notado por seus superiores. Tomando parte como capelão do exército na revolução de 1930, entre os 16 padres nomeados pelo arcebispo Dom João Becker, o cabo Zattera desincumbiu-se com galhardia de sua missão, retornou com as forças vitoriosas e reassumiu a sua paróquia, sendo, em seguida, nomeado Cônego Honorário do Cabido de Porto Alegre. E mais uma vez nova e árdua missão foi-lhe reservada: em 31 de maio de 1942, na igreja matriz de Santo Antônio, em Bento Gonçalves, foi sagrado bispo em cerimônia presidida por Dom João Becker, acolitado pelos bispos Dom José Barea e Dom Cândido Bampi. Em 9 de julho, chegava a Pelotas para assumir a diocese que lhe fora destinada pelo papa Pio XII, como terceiro bispo, em substituição ao saudoso Dom Joaquim Ferreira de Melo.

Logo após tomar posse no governo da diocese, Dom Antônio já se deparava com o angustiante problema do menor abandonado. Foi procurado pelo juiz de menores, Dr. José Alsina Lemos, e o delegado de polícia, Dr. Galeão Xavier de Castro, que lhe solicitaram o apoio à iniciativa de dotar Pelotas de uma casa que abrigasse esses meninos. Compreendendo a nobre finalidade, Dom Antônio imediatamente pôs-se a campo, convocando uma reunião de representantes de todas as associações católicas locais, ocasião em que sugeriu a formação de diversas comissões para angariar os fundos necessários à concretização da obra, o que efetivamente aconteceu, com inauguração em 26 de março de 1944.

Oito anos após ter assumido a diocese, Dom Antônio, emocionado, viu inauguradas as obras de reforma da Igreja Catedral de Pelotas, cartão de visita da cidade e consagração da arte à religiosidade. Em 1910, a velha Matriz da Freguesia de São Francisco de Paula recebeu o título de Igreja Catedral, em vista da elevação de Pelotas à sede de bispado. A construção, terminada em 1853, serviu de Catedral até o ano de 1934. Diante da deterioração do prédio, após um referendo popular solicitado por Dom Joaquim, decidiu-se preservar a fachada e demolir todo o resto do templo, para dar lugar a uma construção nova, mais condizente com as necessidades dos fiéis. Assim, construiu-se o que é hoje o corpo da Igreja Catedral. Coube a Dom Antônio a realização das ampliações: o presbitério com sua alterosa cúpula em harmonia com as torres, a cripta, as sacristias e o salão paroquial. A decoração é obra-prima no seu gênero de pintura clássica, executada pelo artista Aldo Locatelli e pelos decoradores Emilio Sessa e Adolfo Goldoni. Foram recomendados a Dom Antônio por Dom Bernaregi, bispo de Bérgamo, cidade onde os artistas eram naturais, por sugestão do núncio apostólico de Paris, Dom Giuseppe Roncalli, futuro papa João XXIII. O majestoso altar foi confeccionado em ótima oficina de Bérgamo com os melhores mármores da Itália. Os recursos foram angariados, segundo Dom Antônio, “do generoso povo pelotense por donativos e quermesses na praça da Catedral, no Centro Português e no Clube Caixeiral”. A inauguração deu-se na noite de Natal do ano 1950.

Quando Dom Antônio assumiu, em 1942, o governo da diocese que abrangia também as cidades de Rio Grande e Bagé, nenhuma escola superior existia, fora da capital, para formação de professores do ensino secundário (atual ensino médio). Após dois anos de contínuas viagens ao Rio de Janeiro, conseguiu, em 1953, a primeira Faculdade de Filosofia no interior do estado. Idênticas faculdades fundou Dom Antônio nas cidades de Bagé e Rio Grande, respectivamente em 1958 e 1961. Em 1960, foi autorizada a funcionar a Faculdade de Direito “Clóvis Bevilacqua”, em Rio Grande. Com a Faculdade de Ciências Econômicas, fundada em 1937, pelo Irmão Fernando, lassalista, e incorporada à Mitra Diocesana em 1955, e o curso de Jornalismo, criado em 1958 e transformado em Faculdade de Comunicação Social, em 1960, já havia o número necessário de unidades para a criação de uma universidade. Criada em 7 de outubro de 1960, pelo decreto n.º 49.088, assinado pelo presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, a Universidade Católica Sul-Rio-Grandense de Pelotas (posteriormente denominada Universidade Católica de Pelotas, com o desmembramento das faculdades de Rio Grande e Bagé) foi instalada oficialmente em sessão solene no Teatro Guarany em 22 de outubro de mesmo ano, presidida pelo núncio apostólico Dom Armando Lombardi, com a presença de altas autoridades do município, do estado e do país.

Em 1965, Dom Antônio assumiu a reitoria. Ascensionalmente desenvolvia-se a novel universidade movida pelo entusiasmo de seu criador e reitor. Ele simplesmente avançava. Vencer obstáculos era a sua especialidade. Quanto maior o desafio, mais se fortalecia a sua tenacidade. Foi um reitor sem salário porque, segundo dizia, a Mitra já lhe dava casa e comida. Permaneceu no cargo de reitor até a sua renúncia como bispo diocesano, em 1977. O seu único pedido foi o de permanecer em Pelotas, residindo num pequeno apartamento no Instituto de Menores. Ali, entre os seus meninos e adolescentes, continuou a prestar assistência religiosa, social e profissional até a sua morte ocorrida no dia 15 de outubro de 1987.

Dom Antônio tinha uma personalidade forte. Uns admiravam-no sem restrições; outros olhavam-no com reservas. É sempre o bônus e o ônus da liderança. A todos, Dom Antônio respondia com ação: ação pastoral, ação social, ação educativa. Muitas vezes, a crítica dirigia-se ao fato de ele não se dedicar por inteiro às obrigações religiosas próprias de um bispo, colocando-as em segundo plano ao favorecer com sua atenção a Universidade e as demais instituições que fundou ou obras que mandou construir. Críticas, evidentemente, que partiam de pessoas nem sempre sinceras na sua própria conduta e convicções. Afinal, muito antes de ser um asceta, um contemplativo, Dom Antônio, durante toda a vida, serviu; foi um servidor tão dedicado a Deus e aos homens que continuamos a colher os frutos sazonados de sua obra. Permaneceu sempre fiel a Jesus Sacramentado, dedicando-lhe três congressos eucarísticos, e à Medianeira, a quem se consagrou por toda a vida.

Seus feitos são mais perenes que o bronze, mais duradouros que o granito. Viveu a vida em plenitude, combateu o bom combate. Não somente criou instituições, não somente construiu, não somente administrou mas, acima de tudo, formou homens e mulheres no espírito de solidariedade e de participação humana e cristã, os quais são os herdeiros e os continuadores de sua obra e de seus ideais na construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna.